O Milagre Francês: Como um Ex-Funcionário da Ubisoft Quebrou Todos os Recordes do The Game Awards
Imagine largar o emprego numa das maiores empresas de games do mundo para criar um jogo que “ninguém quer jogar”. Agora imagine esse mesmo jogo fazendo história ao conquistar 9 prêmios no The Game Awards 2025 — mais do que qualquer outro título na trajetória do evento.
Essa é a história real de Clair Obscur: Expedition 33. E ela começa, acredite se quiser, com um post no Reddit.
Destaques Rápidos
9 Prêmios Conquistados:
- Jogo do Ano
- Melhor Direção
- Melhor Performance
- Melhor Trilha Sonora
- Melhor Narrativa
- Melhor RPG
- Melhor Direção de Arte
- Melhor Jogo Independente
- Melhor Jogo Independente de Estreia
Números que Impressionam:
- 1 milhão de cópias vendidas em 72 horas
- Equipe de apenas 30 pessoas
- Trilha sonora #1 no Spotify
- Elogios públicos do presidente Emmanuel Macron
O Recorde que Ninguém Viu Chegando
Quando Guillaume Broche subiu ao palco para receber o troféu de Jogo do Ano, ele resumiu tudo numa frase: o ano tinha sido “estranho” para o estúdio. Estranho? Convenhamos, essa é a definição francesa de understatement.
Como é que um RPG com estética da Belle Époque francesa, desenvolvido por trinta pessoas, consegue superar gigantes como Death Stranding 2 e Hades 2? A resposta não cabe numa frase — mas a jornada até lá é tão improvável que parece roteiro de filme indie.
O recorde anterior de sete prêmios, dividido entre The Last of Us: Parte 2 e Baldur’s Gate 3, parecia intocável. Clair Obscur não apenas o quebrou. Pulverizou.
Comparativo dos Maiores Vencedores do The Game Awards
| Jogo | Ano | Prêmios | Equipe de Desenvolvimento |
|---|---|---|---|
| Clair Obscur: Expedition 33 | 2025 | 9 | ~30 pessoas |
| The Last of Us: Parte 2 | 2020 | 7 | ~200 pessoas |
| Baldur’s Gate 3 | 2023 | 7 | ~400 pessoas |
A diferença não está apenas nos números. Está na proporção absurda: enquanto outros recordistas contaram com centenas de desenvolvedores e orçamentos milionários, a Sandfall Interactive provou que talento concentrado e paixão genuína podem virar o jogo — literalmente.
A Jornada Improvável: De Post no Reddit a Fenômeno Global
O Início Durante a Pandemia
Em 2020, enquanto o mundo parava por causa da Covid-19, Guillaume Broche estava “entediado com o trabalho e querendo fazer algo diferente” na Ubisoft. Muitos de nós tivemos essa sensação naqueles meses estranhos. A diferença? Broche realmente fez algo a respeito.
A ideia de Clair Obscur nasceu nesse período de incertezas, quando sonhar com mudanças radicais era fácil — mas executá-las exigia uma dose considerável de insanidade criativa.
E a estratégia de recrutamento? Nada ortodoxa. Broche começou a postar em fóruns online e no Reddit, procurando pessoas dispostas a trabalhar de graça numa demo. Sim, você leu certo: de graça. “Eu tenho uma lista de 15 pessoas para contatar e penso: ‘Ok, provavelmente não vou conseguir falar com ninguém’. E toda vez a primeira pessoa diz: ‘Sim, vamos nessa'”, relembra o diretor.
O que parecia loucura era, na verdade, um filtro natural: só ficavam aqueles que realmente acreditavam no projeto.
O “Efeito Guillaume”
Jennifer Svedberg-Yen descobriu o projeto da forma mais improvável possível. Durante o confinamento na Austrália, ela viu um post no Reddit: “Vi uma publicação do Guillaume pedindo dubladores para gravar algo de graça para uma demo. Pensei: ‘Nunca fiz isso, parece legal’, então enviei um teste para ele.”
Hoje, Jennifer é a roteirista principal do jogo.
Ela chama isso de “efeito Guillaume” — a capacidade quase mágica do diretor de encontrar as pessoas certas nos lugares mais inesperados. “Ele é muito bom em encontrar pessoas realmente legais”, explica, com a simplicidade de quem viveu um milagre e ainda está processando.
“Temos uma equipe incrível, composta principalmente por pessoas em início de carreira, mas que são incrivelmente dedicadas ao projeto e talentosas. De alguma forma funcionou, o que ainda não faz sentido para mim depois de todos esses anos.” — Guillaume Broche
Desafiando a Sabedoria Convencional (E Vencendo)
Quando a Sandfall Interactive começou a desenvolver Clair Obscur, o consenso da indústria era cristalino: gamers não queriam um RPG clássico com estética Belle Époque francesa. Era arriscado demais, específico demais, nostálgico demais.
O mercado estava errado. Completamente.
O jogo combina turnos tradicionais com ações em tempo real, criando uma experiência híbrida que conseguiu agradar tanto puristas quanto jogadores casuais — uma façanha que muitos estúdios AAA tentaram e falharam. A direção de arte, inspirada na elegância francesa do final do século XIX, se tornou um dos pontos mais elogiados pelos críticos; aquilo que parecia nicho demais revelou-se universalmente sedutor.
É curioso notar que os maiores sucessos recentes dos games — de Baldur’s Gate 3 a Elden Ring — compartilham essa característica: desafiaram o que os “especialistas” diziam que o público queria.
O Fenômeno Cultural Francês
Clair Obscur transcendeu o mundo dos games de uma forma que poucos títulos conseguem. A trilha sonora liderou as paradas do Spotify — algo raríssimo para um jogo indie, ainda mais um de RPG. Mais impressionante: recebeu elogios públicos do presidente Emmanuel Macron, transformando o projeto numa questão de orgulho nacional.
Para a França, que há décadas vê a Ubisoft como sua principal embaixadora no cenário global de games, ter um estúdio independente conquistando o mundo representa um novo capítulo. Não é exagero dizer que Clair Obscur virou símbolo de uma geração de desenvolvedores franceses que não precisa mais da validação dos grandes estúdios para criar algo relevante.
A Fórmula do Sucesso Improvável
Os Ingredientes do “Milagre”
- Equipe Multifuncional: “Todos nós contribuímos e fazemos partes diferentes, coisas que podem estar fora de nossa função tradicional” — sem hierarquias rígidas, o talento fluía para onde era necessário
- Paixão Genuína: Pessoas que acreditaram no projeto mesmo sem garantias financeiras; quando você trabalha de graça, só a paixão sustenta
- Visão Compartilhada: Guillaume e sua equipe tinham “exatamente as mesmas referências” artísticas — um alinhamento raro que eliminou 90% dos conflitos criativos
- Humildade Radical: O diretor agradeceu aos “heróis anônimos” que fazem tutoriais no YouTube: “nós não tínhamos ideia de como fazer um jogo antes”
Linha do Tempo do Impossível
- 2020 (Pandemia): Guillaume Broche concebe Clair Obscur enquanto trabalha na Ubisoft; o tédio vira combustível criativo
- 2020: Recrutamento via Reddit e fóruns online começa — a estratégia mais improvável da história recente dos games
- 2020-2024: Desenvolvimento com equipe crescendo organicamente para 30 pessoas; cada novo membro chegava por indicação ou “efeito Guillaume”
- 2025: Lançamento do jogo; críticos elogiam, mas ninguém prevê o que vem a seguir
- Primeiros 3 dias: Um milhão de cópias vendidas — números de blockbuster AAA com orçamento de indie
- The Game Awards 2025: Nove prêmios conquistados, novo recorde histórico que deve resistir por anos
O Que Vem Depois do Impossível?
Com 1 milhão de cópias vendidas em apenas três dias e um recorde histórico no The Game Awards, Clair Obscur: Expedition 33 provou que a indústria de games ainda tem espaço para surpresas genuínas.
Mas o que isso significa para o futuro? O sucesso da Sandfall Interactive manda um recado cristalino para desenvolvedores independentes ao redor do mundo: às vezes, o que o mercado “não quer” é exatamente o que ele estava esperando sem saber. As pesquisas de mercado, os grupos focais, as análises de tendências — tudo isso pode ser valioso. Ou pode estar completamente errado.
Guillaume Broche encerrou seu discurso de agradecimento de forma simples, mas poderosa, dedicando o prêmio aos “heróis anônimos” da comunidade de desenvolvimento. Em um mundo onde grandes estúdios dominam as manchetes e os orçamentos, Clair Obscur nos lembra que as melhores histórias ainda podem começar com um post no Reddit e um sonho que todos diziam ser impossível.
O que nos leva a crer que veremos mais estúdios seguindo esse caminho nos próximos anos — menos corporativo, mais humano; menos “o que o mercado quer”, mais “o que nós acreditamos que vale a pena criar”.
E você? Já teve coragem de transformar uma ideia “impossível” em realidade?
